Encontros, cafés e conflitos: reflexões de uma pesquisa-ação sobre redes autônomas feministas

Pesquisa-ação desenvolvida por um grupo de mulheres que construíram uma rede comunitária no quilombo Ribeirão Grande/Terra Seca.


O projeto de pesquisa-ação “Action-research on Feminist Autonomous Networks” foi realizado no
escopo da Feminist Internet Research Network (FIRN), uma rede de pesquisa multidisciplinar e
colaborativa liderado pela Association for Progressive Communications (APC), e financiado pelo
International Development Research Centre (IDRC).

Pesquisa-ação

Esta publicação reúne reflexões de um projeto de pesquisa-ação coordenado por Bruna Zanolli e Débora Prado e realizado com a colaboração de um grupo de trabalho integrado ainda por Carla Jancz, Daiane Araujo dos Santos, Glaucia Marques e Natália Santos Lobo. Com um agradecimento especial aos moradores dos quilombos de Barra do Turvo e às mulheres e parceiras da SOF – Sempreviva Organização Feminista, da Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras (RAMA) e da MariaLab.

Texto: Bruna Zanolli e Débora Prado
Tradução inglês-português: Ana Facundes

Este artigo resume as reflexões do projeto de pesquisa-ação desenvolvido entre 2019 e 2021 por um grupo formado exclusivamente de mulheres que montaram uma rede comunitária em uma área sem conectividade de internet no Brasil, o Quilombo Ribeirão Grande/Terra Seca, enquanto realizavam um processo de pesquisa participativa sobre tecnologias de informação e comunicação, mais especificamente sobre redes comunitárias, com uma lente feminista interseccional.

Este projeto de pesquisa-ação previa a implementação de uma rede comunitária Wi-Fi no Quilombo Riberão Grande/Terra Seca, buscando o envolvimento de toda a região em diversas oficinas e trocas de conhecimento sobre redes, infraestrutura feminista, educação popular, agroecologia, relações de gênero e raça, tecnologias tradicionais e digitais, autonomia e tecnologias de comunicação. Além disso, contemplou a produção de conhecimento nesse campo, com base em duas questões iniciais de pesquisa formuladas para guiar nossas reflexões a partir das experiências com a comunidade local: como expandir o alcance das tecnologias de rede comunitária entre as mulheres e os povos radicionais, considerando as relações de poder que atravessam a perspectiva de conectividade e comunicação autônomas? E quais são as principais mudanças quando uma infraestrutura tecnológica é pensada e desenvolvida através de uma perspectiva feminista interseccional? Considerando a lente interseccional, acrescentamos uma pergunta estrutural a nós mesmas ao longo do desenvolvimento do projeto: como a raça está conectada a estruturas sistêmicas desiguais de poder nesta experiência, considerando que este projeto foi realizado por nosso grupo, composto principalmente por mulheres brancas, em um território majoritariamente de mulheres negras?

Mais do que obter respostas, as perguntas nos ajudaram a ampliar um conjunto de reflexões a partir do encontro entre diferentes formas de viver e de produzir conhecimentos e técnicas, que escapam em certa medida aos modelos normativos no campo das tecnologias digitais3, como a predominância masculina branca nesse campo e os processos de concentração de poder na Internet por grandes corporações que utilizam modelos manipuladores e não transparentes de relações com essas tecnologias. O objetivo deste artigo é compartilhar parte das reflexões que emergiram de nossa experiência, esperando contribuir para pesquisas e iniciativas de apropriação tecnológica que também se dedicam a fortalecer a diversidade nesses dois campos.

Vale a pena compartilhar que entendemos as redes comunitárias como uma solução de conectividade para reduzir a falta de acesso por meio da instalação coletiva de uma infraestrutura de nível local e da gestão compartilhada dos aspectos técnicos e humanos de uma rede. Recentemente, as redes comunitárias têm sido vistas como uma alternativa para a busca de maior autonomia em relação à comunicação e conectividade e para promover interações sociais locais, em territórios distintos, com infraestruturas digitais. Como resultado, o debate sobre redes comunitárias vem ganhando novas perspectivas, ultrapassando o campo das soluções de conectividade para lugares e populações sem acesso à Internet para se vincular a outras agendas políticas, tais como as perspectivas críticas sobre a Internet e o engajamento em lutas pela efetivação de direitos humanos. Entre a multiplicidade de agendas que podem permear o processo de instalação e manutenção de redes comunitárias, está a perspectiva feminista interseccional, que articula as diferenças de gênero e raça, entre outras, para explicar estruturas de desigualdade e buscar justiça social. Essa perspectiva tem sido mobilizada por grupos ativistas por tecnologias livres como forma de buscar referências que ajudem a tornar esse campo receptivo para diferentes grupos e corpos, incluindo as mulheres na sua diversidade, pessoas trans e não binárias, entre outres.


O artigo inicialmente apresentará os elementos desse encontro com uma breve apresentação do Quilombo Ribeirão Grande/Terra Seca e das principais referências das mulheres em nosso grupo. Em seguida, apresentaremos uma visão geral da abordagem metodológica que adotamos ao longo dessa jornada e da trajetória do projeto ao longo de dois anos. Finalizamos com nossas reflexões em torno de três tópicos que emergiram como fundamentais em nosso processo: 1) o significado das infraestruturas feministas para essa rede comunitária; 2) a importância da perspectiva de raça; e 3) nosso aprendizado no processo de tentar colocar em prática intenções baseadas nos interseccionais e da educação popular, enquanto enfrentamos a presença constante de imprevisto.


Queremos destacar que, entre os imprevistos, havia um que não podíamos imaginar no início dessa jornada: o surgimento de uma pandemia global e seus profundos impactos negativos no Brasil, agravados pelo fato de estarmos passando por uma emergência mundial sanitária e de saúde sob um governo de extrema direita que nega a ciência e as medidas de saúde pública, viola os direitos humanos e adota uma postura antifeminista, com uma inclinação autoritária agressiva em relação às comunidades tradicionais, como as quilombolas. Neste artigo não nos aprofundaremos nesses aspectos, mas consideramos importante assinalar como esse difícil contexto enquadra nossas reflexões, ao compartilharmos as conclusões do projeto.


A pesquisa também desenvolveu alguns fanzines que abordam eixos importantes do projeto:

Segurança digital

Neste zine você vai encontrar dicas básicas de como se proteger no uso da internet, passando pelo Facebook, WhatsApp, Fake News e algumas curiosidades 😉

Redes comunitárias inclusão das mulheres e antirracismo

Neste zine você vai descobrir mais sobre o universo das redes comunitárias e vai conhecer os três pilares fundamentais desse projeto: educação popular, abertura ao inesperado e interseccionalidade.

Zine-tutorial da Rede Comunitária do Quilombo Ribeirão

Neste zine retomaremos alguns conceitos básicos, falaremos um pouco do contexto do território e explicaremos os equipamentos necessários para a Rede Comunitária se manter.

Live-lançamento no Youtube

Convidadas:

Bruna Zanolli é pesquisadora mão-na-massa nas áreas de redes comunitárias e cuidado digital. É mestre em Comunicação pelo MediaLab UFRJ, integra o FIRN (Feminist Internet Research Network) e é membro da Rede Transfeminista de Cuidados Digitais.
Daiane Araújo dos Santos é graduada em geografia, coordenadora do projeto rede comunitária da Casa dos Meninos na periferia da zona sul de São Paulo e assessora de tecnologia da Ação Educativa.
Eloiza Santos é agricultora do grupo as Perobas da Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras da Barra do Turvo (RAMA)
Natália Lobo é agroecóloga, parte da equipe técnica da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e militante da Marcha Mundial das Mulheres.
Vanilda Aparecida de Paula é agricultora do grupo As Perobas da Rede Agroecológica de Mulheres Agricultoras da Barra do Turvo (RAMA)
Mediação por Débora Prado, jornalista e ativista com experiência em comunicação, feminismo e direitos humanos. Atua com projetos e estratégias de comunicação da sociedade civil, com passagem pelo Instituto Patrícia Galvão, Artigo 19 e atualmente na APC.

Conheça mais sobre a Rede Comunitária do Quilombo Ribeirão Grande/Terra Seca